domingo, 10 de janeiro de 2021

Segredo

Meu tempo está solto no mundo

E preso a ele

Quando conecto 

É você

A sua cara é o rosto que aparece no avatar

Na tela

Que não é azul

Porque aqui é sempre modo noturno

Dentro e fora

Uma vez me disseram:

O dentro e o fora

São duas realidades conectadas pelo mesmo fio.

Tic Tac

Da primeira vez a sua voz não foi ouvida

Aí vim aqui

Pedir a segunda, a terceira, a quarta chance

Sempre suja

Como as nossa palavras, os nossos poemas, os nossos movimentos

Tic Tac

Quero mover de novo

Mas num registro maior e mais alto

Da sua voz

Grava esse áudio pra mim? 


domingo, 24 de novembro de 2013

Domingo

Sob o silêncio cinza refeito
No céu que anuncia novembro
Eu choro todas as dores
Sinto todas as faltas
E afogo o corpo em solidão de domingo

Eu hoje me despedi de uma vida inteira
Visitei cantos antigos
Onde quis voltar a morar,
Mas já não cabia em velhos espaços

Caminho nômade pelas calçadas molhadas
De uma cidade que não me habita
Tenho frio, sono e febre
Já não há verão que me esquente

Congelo os ossos na casa vazia
Enquanto escuto as vozes de família
Do outro apartamento

Não me comovo
Além da saudade do que não vivi

Fui filha única do sol de agosto
E chovia.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Do tempo de agora

A cada dia eu morro
Um pedaço
Fio a fio
Passo a passo
No pouco que sobra
Um corpo que resta
Morto-vivo-morimbundo
Rasteja
Disfarço
Desfaço a carne e
Cavo-me um buraco
Por entre as costelas
Jazigo de mim
Eu hoje
Morri assim
A morte mais bela
Que pude criar
Eu hoje
Cantei para o não
Mais pensar
Sorri para parar
De chorar
De mais a mais
A vida que se segue
E não se sente
Carrego no ventre
O resíduo
De todos os homens
A gota
De todas as chuvas
O pingo de verdade
Em todas as mentiras
As vozes que entoo
E não são minhas
Todas as coisas que deixei para trás
Vou tentar outro voo
Queimar as cinzas de outro
Espaço
E deixar arder as asas
Refeitas dos retalhos
Das fantasias
Dos carnavais passados.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Érika


Antigamente nós tomávamos café
Ascendíamos um cigarro para fazê-lo
e um outro para bebê-lo
Juntas, sorríamos ao som de Vinícius
sem saber decerto o porque.
Nos prometíamos uma caminhada
assim que o sol baixasse
Nunca o fizemos.
Sentadas no carpete discutíamos
arte e revolução.
Você coçando o nariz,
eu reclamando dos ácaros.
Juntas, cantávamos nossos sonhos
de olhos fechados
Para dentro de nós mesmas
Exercíamos o diálogo dos pensamentos
muitas vezes sem falar
Quase sempre, nessas horas
eu sentia meu coração bater mais forte
nunca soube a razão.
Sentíamos cúmplice toda a nossa
satisfeita-insatisfação
Ali, nos escondíamos do mundo
protegidas uma pela outra.
Enlouquecendo a última gota de sanidade que ainda nos restava
Lembro bem. E sei
que ainda hoje, ou daqui a 50 anos
poderei fechar meus olhos e te ver.
Sentir o cheiro do café misturado ao cigarro
e sorrir.
O mesmo sorriso que, juntas,
sorríamos ao acordar.

sábado, 6 de julho de 2013

Estiagem



Para viver
Com você
Eu tranco a casa
E o coração
Pode ser que sejas meu
Pode ser que não
Quando paro
Para lembrar
Sinto forte
O cheiro
Da tua respirção
Tenho a sorte
De por vezes
Não te ter
Portanto tenho
(E temo tanto)
A morte
De você
Que ja nasceu
Velho
E eu
Não sei de onde
Veio
O seu palpite
Então nos fazemos
Interrogação
Não sei se ontem
Ou se semana passada
Sua veia
Pulsva no compasso
Do meu coração
Pode ser que não
Tento o toque
Da pele que me engole
E perto e próximo permite
A única
A última possibilidade
De compreensão
Posto que a palavra falada
Não nos serve de nada
E mergulhada nos mundos
Nos braços
Nos laços
Embaraços seus
Me ponho atenta
Te olho e percebo
Trinco os dentes
E desapego
Te vejo mudo
Para me fazer
Entender que isso
Tudo pode
Ser um pedido
De adeus.





quinta-feira, 28 de março de 2013

Vovô Ney



O Rio pede um assovio
Ipanema passeia sussurrando
a sua melodia
O sopro de vida
que passa como brisa
por entre cabelos, sacolas, sacadas, saias e bigode
é você trazendo sorte
Os doces da esquina,
O sorriso da menina,
O mar quebrando forte,
O pedalinho da Lagoa,
Tudo faz lembrar
aquela piada boa
Que eu nunca entendi
E agora você ri
Ao me ver perceber que
você virou luzinha de Paracambi.
-Vô, o moço da loja de relógio perguntou por você
Disse que ouviu dizer
Por aí, assim, sem querer
Que por lá você não mais passava
Evaporado, nesse mundo já não estava.
-Bobagem, moço da loja de relógio
Mas é óbvio!
Deve haver algum engano!
Toque suave as teclas do piano
e você sentirá um arrepio.
O Rio perde um assovio.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Hiato

De tão branco
torna-se opaco
Estica-se tanto
que forma um buraco
Da pele nasce o pranto
No canto sem voz morre o tato
Parto para outro
lado da morte
Com sorte chego forte
Se amargo
me afogo no raso
Mas se não atravesso
empaco o traço
Disfarço
Me encontro parada
no entre-epaço,
avesso do nada
Pelo silêncio congelada.