Amanheceu por volta da uma da tarde aquele dia e o filete de luz que driblou as cortinas despertou os corpos nus. Eram dois, alem do gato. Acima de suas cabeças, esquecida em meio a livros e filmes que fizeram parte daquela história recente, fitava-os a taça de vinho contendo um líquido amarelo claro que denunciava a mistura rançosa de gelo derretido e uísque barato. Ambos sabiam que não seria fácil, mas um acordo silencioso feito nos primeiros segundos que sucederam o despertar os fez adiar um pouco mais. Apenas uns minutos. Ou até que a ressaca cessasse. Ou até um dos dois tomar coragem de tocar no assunto discutido, questionado e concluído na madrugada passada. Ela o fez. Mas não ainda.
Havia algo naquele toque. Algo de mágico nas pontas de cada um daqueles dez dedos magros e longos que relaxavam toda a tensão, acabavam com qualquer das suas noites de insônia, que quando queriam a faziam estremecer e, por vezes, sentir que ia dissolver, desintegrar. Parecia que se ele continuasse a encostar em sua pele daquela forma ela desapareceria por completo. Era só uma questão de tempo. “São mãos de pianista.” Ele costumava dizer quando ela fazia observações a respeito do estranho formato das mesmas. Não importava. Belas ou não, eram para ela indiscutivelmente eficazes em se tratando de carinhos, carícias, apertos e afagos. E ali estavam elas. Agora Ana observava a que acendia o cigarro preso aos lábios secos de Vinicius enquanto a outra repousava sobre o seu ventre. Como nunca gostou que nenhum homem tocasse em sua barriga, era difícil para ela abstrair a presença inoportuna. Mas como já disse, aquelas mãos eram diferentes.
Ao imaginar como seriam seus futuros dias próximos, ou mesmo as horas que sucederiam a sua saída daquele quarto, Vinicius baixava os olhos de cílios longos e pretos, – eram os mais longos que Ana conhecera e bem mais tarde, recordando seus amores, se daria conta de que jamais em sua existência haveria de se deparar com tão longas pestanas – franzia as sobrancelhas espessas e tomava o corpo da moça em seus braços, apertando-a contra o peito.
- Menos intensidade, Vinicius. Você não quer me ver chorar.
Ana achou graça da dramaticidade das próprias palavras e sorriu após pronunciá-las.
Era tarde demais. Logo o abraço evoluiu para algo que não tem nome nem definição exata, mas que poderia ser descrito como demonstração mútua de afeto que consistia em explorar o tato, o olfato e o paladar até a última instância sem muita distinção de pelos, pele, mãos, cabeça, língua, lábios, dentes, nuca, colo, seios, ventre.................... e agora eram um corpo só. Sabendo-se uno. Permaneceram assim durante o tempo que foram capazes. Um pequeno instante. Logo veio o incômodo do peso do corpo dele sobre o dela, que trouxe de volta o contorno dos dois, únicos e separados.
E as lágrimas que Ana derramou escondida, virando o pescoço para o lado, nunca foram percebidas por terem se camuflado em meio a gotas de suor e a face rubra e aos lábios inchados. E tudo que sentirem depois, ficará guardado até ser esquecido por completo. E outros corpos habitarão aquele quarto. E mais outros milhões de outros corpos em outros quartos. E alguns desses outros corpos por um breve momento serão um só, como foi o deles aquela tarde. E o gato miou arranhando a madeira, bem ali na fresta. E a porta se abriu.
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